Com a segunda maior taxa da Europa de utilização do automóvel particular e uma trajectória de emissões contrária ao desejável, o sector dos transportes em Portugal é um dos mais críticos para o processo de descarbonização.
Por Rui Igreja *
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No contributo que apresentou para a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030, em consulta pública, a MUBi defende que só com outro tipo de intervenção nas políticas de mobilidade Portugal poderá alcançar as metas climáticas para esta decada. São necessárias e urgentes políticas e medidas transformadoras de apoio e incentivo ao uso dos modos activos e colectivos de transporte. Mas isso não chega. São igualmente necessárias medidas equitativas de desincentivo ao uso do automóvel, especialmente nas áreas urbanas.
As políticas de mobilidade em Portugal têm sido inadequadas e insuficientes para travar o crescimento da utilização do automóvel particular, e as emissões dos transportes constituem já cerca de um terço das emissões totais do país. O transporte rodoviário é responsável por mais de 95% do consumo energético e das emissões deste sector e também a principal causa da poluição do ar nas cidades, que provoca a morte prematura de cerca de 6 mil pessoas anualmente em Portugal.
Os participantes na consulta pública prévia da revisão do Plano Nacional Energia e Clima (PNEC) 2030 apontaram que as políticas e medidas apresentadas não dão resposta aos objectivos de descarbonização do sector dos transportes. E destacam a necessidade de políticas e acções transformadoras que conduzam rapidamente à redução das viagens de carro e transferência para os modos mais eficientes e sustentáveis, como os transportes públicos e os modos activos.
A MUBi tem a lamentar que, tal como Comissão Europeia apontou1, o projecto de actualização do PNEC (submetido em Junho de 2023) «não explica como as opiniões expressas [na consulta pública prévia] foram consideradas e abordadas, ou por que não foram tidas em conta.», e que o mesmo persista na proposta de versão final, agora em consulta pública. Lamentamos, também, que o relatório da consulta prévia tenha sido disponibilizado publicamente mais de um ano após a data do documento (Maio de 2023). Esperamos que estes erros não sejam repetidos no presente processo de consulta pública e no desenvolvimento do documento final de actualização do PNEC 2030.
A mudança de motorização e fonte energética do parque automóvel é demorada, para além de não contribuir para resolver muitos dos outros problemas da mobilidade, como os congestionamentos das cidades, o consumo de espaço urbano, a sinistralidade rodoviária, emissões de partículas, sedentarismo, etc. Portugal só conseguirá cumprir as metas climáticas para esta década com uma redução significativa da utilização do automóvel, especialmente nas áreas urbanas. Tal como nos outros sectores, também nos transportes a transição energética e climática deve assentar na redução do consumo de recursos e energia.
A MUBi defende que o PNEC deverá indicar as metas, intermédias e finais, das estratégias nacionais para a mobilidade activa, ENMAC 2020-2030 e ENMAP 2030, assim como a previsão orçamental e as fontes de financiamento para a concretização destas Estratégias. Uma das principais críticas que a Comissão Europeia fez ao projecto (versão preliminar, submetida em junho de 2023) de actualização do PNEC de Portugal é de que «carece de informação quantificada sobre as necessidades de investimento e fontes de financiamento para implementar as políticas e medidas planeadas.»2. Este aspecto, em nada, ou muito pouco, melhorou na versão presentemente em consulta pública.
Consideramos que o PNEC deverá, também, incluir:
– Medidas de redução do perigo rodoviário sobre os utilizadores dos modos activos, entre elas a diminuição das velocidades motorizadas e o limite máximo de 30 km/h dentro das localidades;
– Um programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) por parte dos municípios. A criação deste programa já está inscrita no Orçamento do Estado para 2024 (Artigo 173.º), e deve ser implementada, continuada e alargada, conforme recomenda a Comissão Europeia;
– Medidas de promoção da intermodalidade entre os modos activos e os transportes públicos, como sejam a criação de percursos seguros e confortáveis a pé e em bicicleta às interfaces de transporte e a instalação de estacionamentos seguros para bicicletas, de curta e de longa duração.
No entanto, incentivar comportamentos de mobilidade desejáveis é insuficiente num contexto em que o uso do carro permaneça fácil e atractivo. Enquanto os prejuízos para o ambiente e a saúde pública, entre outros, forem largamente externalizados, dificilmente conseguiremos a alteração necessária de comportamentos. Por isso, o PNEC 2030 deverá incluir medidas equitativas de gestão da procura para desencorajar o uso do automóvel, principalmente nas áreas urbanas.
Promover a mobilidade activa, como o andar a pé e a utilização da bicicleta, e a complementaridade destes modos com os transportes públicos, não só é das formas mais fáceis, rápidas e económicas de reduzir emissões nos transportes, como também contribuiu para diminuir desigualdades sociais. Deve, por isso, ter um papel central nas políticas climáticas para uma transição socialmente justa, coesa e democrática.
* Coordenador do núcleo de políticas públicas da MUBi.
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