‌Ciência e Liberdade em Portugal

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17 de abril de 1974. Os estudantes no átrio da universidade durante protestos. Fotógrafos-Amadores da Secção Fotográfica da Associação Académica de Coimbra

Celebram-se 47 anos após a revolução dos cravos, ocorrida a 25 de Abril de 1974. Portugal evoluiu significativamente em muitas áreas da sociedade, desde o ensino às condições de acesso a cuidados de saúde, melhorando consideravelmente a qualidade de vida de grande parte da população portuguesa.

Por António Piedade *

Um dos aspectos em que se observa uma considerável evolução, nestas mais de quatro décadas de democracia, é o do acesso ao ensino superior: em 1974 o número de alunos matriculados no ensino superior em Portugal não ultrapassava os 70 mil, enquanto que em 2020 este número é cerca de 400 mil! Isto permitiu, entre outras coisas, o desenvolvimento das instituições de investigação científica em Portugal, com um aumento muito impactante do número de doutoramentos: se em 1974 se verificava no nosso país só um doutoramento por 100 mil habitantes, hoje esse número ultrapassa os 30 por 100 mil habitantes (dados da Pordata, projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos). Hoje, há mais cientistas activos em Portugal do que em toda a história conjunta do nosso país!

Há, historicamente, a nível mundial, a começar pela Grécia antiga, uma relação entre a democracia, a liberdade de pensamento, e um maior desenvolvimento científico. Isto é claramente demonstrado, com inúmeros exemplos pormenorizados, no livro “Ciência e Liberdade”, do respeitado divulgador de ciência norte-americano Tymothy Ferris, publicado em 2013, com o número 200, na colecção “Ciência Aberta” da editora Gradiva. Este professor Emérito na Universidade da Califórnia argumenta que, pelas suas características de crítica e pensamento livres em diálogos democráticos, estruturada num método experimental que permite obter conhecimento verificável por todos, é a própria Ciência fonte inspiradora das sociedades democráticas.

Portugal não seria um caso diferente e a democracia trouxe um efectivo desenvolvimento científico para o nosso país que é reconhecido internacionalmente.

Salvador Massano Cardoso, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, e que foi deputado na Assembleia da República, reflecte: “O maior sonho do Homem é a liberdade. É com ela que consegue realizar-se. Um espírito livre é criativo, e é só na criatividade que a Humanidade avança. Em todos os campos. A Ciência é um deles. Através da Ciência conseguimos conquistar e respeitar a liberdade. E não só! A Ciência é fonte de humildade e de solidariedade quando praticada por pessoas de bem.”

“A ciência é fundamental para a democracia pois coloca o foco no mérito, não tolera o populismo, é insensível a todo o tipo de estratégia de comunicação e distingue, de forma brutal, o importante do acessório”, segundo a opinião de Norberto Pires, professor de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. E acrescenta que “a ciência não deixa margem para o populismo e é totalmente imune ao disparate. Por isso, os cientistas são tão rejeitados na política”. Isto, em parte, explica que, apesar da evolução atrás indicada, a percentagem do PIB do investimento público na ciência em Portugal continue abaixo da média da Comunidade Europeia, dada a pequena “influência” política dos “nossos” cientistas no governo da República.

O investimento público e privado na Ciência é fundamental para o desenvolvimento da sociedade moderna, quer a nível colectivo, quer a nível individual. A professora catedrática Helena Freitas, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, refere-se “à ciência enquanto processo de crescimento intelectual e humano, na ambição pelo conhecimento, no desafio da procura de soluções para os problemas, no confronto livre de ideias, na audácia do pensamento, no encanto da descoberta. A Ciência liberta-nos na medida em que nos oferece sempre mais caminhos e mais desafios. A própria matriz da ciência é a liberdade.”

O desenvolvimento da ciência também tem permitido uma maior igualdade de oportunidades de género. De facto, Helena Freitas sublinha também o papel insubstituível que “a ciência tem tido na libertação da mulher e na promoção da igualdade de oportunidades”. E isto é salientado por António Galopim de Carvalho, professor catedrático jubilado de geologia da Universidade de Lisboa e um dos nossos principais decanos da comunicação de ciência para todos em Portugal: “Ao percorrer a história das ciências da Terra, pude constatar a quase ausência de mulheres, entre os muitos participantes, nesta longa caminhada. Como em qualquer ramo da Ciência, Isso deve-se, unicamente, à condição de inferioridade imposta, no passado, às mulheres, a quem a liberdade de estudar era praticamente vedada. O século XX acabou com essa indignidade e, assim, são muitas as mulheres, hoje tantas ou mais do que os homens, a ocuparem os bancos e as cátedras das universidades, e participarem na investigação científica e tecnológica”.

Por fim, é importante reconhecer que a Ciência, fonte de liberdade e de pensamento crítico, não pode ficar fechada nas bancadas dos laboratórios. Para se cumprir, a Ciência precisa de ser comunicada a todos para poder ser útil. A todos, pois se a Ciência é feita pelos cientistas, o conhecimento que dela resulta é para ser usufruído por toda a humanidade. E para se cumprir este desiderato importa fortalecer a comunicação de ciência que é a garante da liberdade de acesso ao conhecimento científico. Se os comunicadores de ciência são os motores desta tarefa, a isto não se podem alhear os meios de comunicação social como veículos de difusão de informação ao alcance de todos. E a imprensa tem, naturalmente, um papel fulcral nesta difusão da Ciência, em particular a imprensa regional que é um dos pilares do sistema democrático e da liberdade de expressão. A presença de Ciência na Imprensa Regional é também uma das conquistas de Abril!

* Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura),”Caminhos de Ciência” com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Ed. Trinta por um Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições. Artigo publicado originalmente no site da Associação Portugal de Imprensa.

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